sexta-feira, 30 de abril de 2010

AVES E NAVES 08

A questão de como o noviço Bartholomeu Lourenço foi despertado para o ar quente como condição elevatória da esfera de papel é importante, porque nenhum dos sábios que há séculos vinham propondo o vôo do homem pensara em tal possibilidade.
Tão surpreendente é essa descoberta por um menino, num lugar escondido do mundo, no meio do mato, que a tendência tem sido a de não aceitá-la.
A resposta, contudo, encontra-se na sua “invenção” anterior, uma espécie de degrau para ele chegar à esfera de ar quente.
Basta apresentar a comprovação desse degrau, daí se concluindo que sua obra elevatória de vapor d’água em processo de destilação para transporte desse líquido o teria levado a pensar no ar quente para realizar a ascensão da esfera de papel.
Tal documento é uma certidão passada pelo padre Alexandre de Gusmão e transcrita pelo Padre Serafim Leite em seu livro “História da Companhia de Jesus no Brasil”, nos seguintes termos:

“Certifico eu, P. Alexandre de Gusmão, da Companhia de Jesus, Reitor do Seminário de Belém, como é verdade que Bartholomeu Lourenço, seminarista que foi do dito Seminário, fez com sua indústria subir a água de um brejo do dito Seminário, que fica sobre um monte, por um cano de quatrocentos e sessenta palmos de altura, obra de grande admiração e utilidade para o dito seminário; a qual eu vi correr e todos os mais do dito Seminário, assim religiosos como Seminaristas. E por passar assim na verdade, e me ser pedida esta, a fiz, por mim assinada e selada com o selo do meu ofício. No mesmo Seminário de Belém, aos 18 de janeiro de 1706.”

Esta certidão tem data posterior à do privilégio do invento concedido apenas para a cidade de Salvador, pela Câmara da Bahia (12.12.1705), mas anterior à da sua extensão para todo o Estado (18.05.1706) e à do privilégio do mesmo invento, concedido em Lisboa pelo Conselho Ultramarino (18.11.1706), tendo ela sido considerada como uma das provas.

Em conferência pronunciada na Escola Politécnica da UFBa, em 16.10.2009, lancei a proposta de que essa “obra” do Bartholomeu Lourenço em Belém foi constituída apenas pelo referido cano de quatrocentos e sessenta palmos (101,20 metros) e nada mais, não havendo qualquer aparelho para bombear água,como se costuma especular.
Se houvesse algo mais, estaria isso na mesma certidão.
Naquele evento comemorativo do tricentenário do aeróstato, a Escola Politécnica decidiu realizar expedição a Belém da Cachoeira para medição plani-altimétrica da área entre o Seminário (hoje apenas uma igreja) e o brejo (ou rio), o que foi feito em 19 de dezembro. Eu e o Prof. Artur Caldas Brandão estamos preparando um artigo com as medições, os cálculos e as conclusões, mas já podemos anunciar que os 101,20 metros são do comprimento do cano e não da altura de elevação da água, reduzida a um terço disso.

Não vejo outra alternativa tecnologicamente conhecida para se elevar água apenas com um cano: em forma de vapor, no velho processo da destilação até então usada apenas para separar líquidos, nunca para transportá-los, vencendo grandes alturas.
É evidente que assim experimentando com o vapor d’água, o noviço jesuíta Bartholomeu Lourenço o associou ao ar quente, daí surgindo naturalmente a idéia de elevar um saco de papel com ar aquecido em seu interior.
De início, fez isso, certamente, brincando.
Maior foi o seu mérito ao insistir no brinquedo e transformá-lo num aparelho voador, pedindo, posteriormente, ao Rei de Portugal, o privilégio pelo seu invento.
Sendo toda prova científica baseada em evidências, não tenho receiado apresentar esta dedução lógica e conseqüentemente matemática como base sólida para a aceitação não apenas de que o primeiro invento de Bartholomeu foi um cano elevatório de vapor (jamais um aparelho), mas também de sua imediata associação ao ar quente como condição interna para a ascensão de uma esfera de papel, posteriormente por ele desenvolvida com estrutura de arame, suporte e pequena bandeja para aquecimento do ar, constituindo, este sim, um aparelho voador.

O primeiro, feito pelo homem, com recursos próprios para sua ascensão.