sexta-feira, 16 de abril de 2010

AVES E NAVES 06

Não se tem documentos sobre A PESSOA Bartholomeu Lourenço, na Bahia, salvo o seu registro no seminário da Companhia de Jesus. Nenhum traço do seu rosto, nenhum dado sobre seu corpo, qualquer menção ao seu caráter ou ao seu temperamento, ou mesmo aos seus relacionamentos com gente.
No que se refere aos seus inventos, só há registro a partir dos seus pedidos de privilégio, seja o da obra de elevação da água (à Câmara da Bahia, 1705), seja o do “instrumento de andar pelo ar” (ao Rei de Portugal, 1709).
Como não se dispõe de mais do que esses textos, da lavra dele, temos de procurar em suas palavras o máximo que elas podem revelar e até na ausência de outras, o que não passava por sua cabeça.
Assim, por que teria ele utilizado a expressão “andar pelo ar” e não, simplesmente “voar”? É evidente que só se usava esse verbo para a locomoção das aves no céu, assim como das abelhas e outros insetos alados ou, na literatura religiosa, dos anjos.
Vale a pena, de passagem, notar que nos desenhos religiosos só estes têm asas. Jesus teria subido ao céu sem elas. Há referências nos evangelhos a anjos que O esperaram perto do sepulcro, para transportá-lo ao sair. Só voava, quem tinha asas. Era isso o que se pensava.
Podemos considerar, portanto, uma evidência, que Bartholomeu não trabalhava com asas para “andar pelo ar”. Não seguiu, portanto, os apontamentos teóricos de Leonardo da Vinci, como outros o fizeram, sem sucesso. O artista e engenheiro florentino estudou o movimento das aves e fez a primeira teoria do vôo realmente científica, descobrindo a aerodinâmica e o seu princípio fundamental, do relacionamento da posição da asa com o fluxo do ar sobre ela (ou da passagem dela pelo ar).

Proponho arriscarmos afirmar que Bartholomeu não teve, em momento algum, o propósito de estudar o vôo e assim levar o homem a voar. Se quisesse isso, teria trabalhado com asas. A idéia de levar alguma coisa a sustentar-se no ar deve lhe ter surgido como conseqüência de suas experiências com o vapor para elevar água por meio da destilação.
Associar essa idéia à esfera proposta pelo padre jesuíta italiano Francisco Lana (1670), fazendo-se o vácuo nela para levar uma nave ao espaço aéreo, pode ter sido o gatilho para chegar a sua esfera com ar quente.

A história das invenções nos mostra que nenhuma delas é fruto de uma única pessoa.
O inventor que registra a patente (antigamente pedia-se o privilégio para explorá-la) é apenas o que conclui o processo teórico iniciado por outros, em ações que podem demorar até séculos, como ocorreu com o avião.
Precisamos, assim, cientificamente, de uma linha investigatória com as premissas acima para se concluir, provavelmente, que Bartholomeu Lourenço formulou a teoria da aerostação como uma conseqüência da sua experiência com o vapor d’água e imediata associação deste com o ar quente, só depois visando aplicar esse conhecimento na construção de uma nave a “andar pelo ar”, como está escrito no seu pedido de privilégio.

Um coisa, no entanto, é o texto desse pedido e outra é a demonstração pública da primeira ascensão da esfera de ar quente, realizada no interior da Casa das Índias em 5 de agosto de 1709.
A análise daquele texto e a dos poemas de Tomás Pinto Bastos nos leva a novas descobertas sobre o que esse poeta chamou de “passarola” e considerou como “os seus vôos na Bahia”.

É o que veremos aqui nas próximas sextas-feiras.