sexta-feira, 9 de abril de 2010

AVES E NAVES 05

Na sexta-feira passada (AVES E NAVES 04), deixamos uma pergunta aqui. Vamos respondê-la, agora.

O seminarista Bartholomeu Lourenço, ainda a correr pelo terreiro em frente ao Seminário de Belém e a ver o árduo trabalho cotidiano de descer uma encosta com cerca de cem metros de desenvolvimento e trinta a cinqüenta metros de desnível (estamos estudando a topografia e hidrologia daquela área e calculando isso), para transportar água do rio das pitangas até a cumeada onde estava o prédio jesuíta, naqueles anos de 1695 a 1701, não se sabe se no lombo de animais quadrúpedes ou na cabeça de trabalhadores bípedes, certamente foi testemunha das queixas pelas dificuldades naquela tarefa e de alguma forma induzido a questioná-las em sala de instrução.

Os jesuítas usavam a destilação para obter álcool com fins terapêuticos, devendo-se aceitar que ensinavam o processo a seus pequenos discípulos, que certamente conheciam a cozinha do seminário e viam trepidar as tampas das panelas no fogão, com gotas de água depositadas na sua face interna. Era conhecido, portanto, ali e então, o processo da vaporização da água, isto é, da sua transformação em vapor, por aquecimento. Conhecimento milenar, resultante da observação do efeito do calor solar na água nos rios e lagos (também na do mar) a criar neblina (em contato com o solo) e nuvens (em grandes altitudes atmosféricas).
Esses padres jesuítas sabiam e deveriam ensinar aos noviços, que o vapor de água eleva-se no ar e transforma-se em nuvens, onde condensam em gotas de água (como nas tampas das panelas), que depois precipitam-se como chuva, retornando ao solo. É certo que Bartholomeu Lourenço usou esse conhecimento para aquecer água do rio e conduzir seu vapor por um cano de cem metros, mantendo-o ali aquecido, até o seminário, onde haveria um tanque, no qual o vapor se condensava, voltando a ser água.

Esta assertiva deriva do documento oferecido pelo reitor do seminário, o padre Alexandre de Gusmão, fornecendo certidão à Câmara da Bahia, na qual escreveu do próprio punho, que ele “fez com sua indústria subir a água de um brejo do dito Seminário, que fica sobre um monte, por um cano de quatrocentos e sessenta palmos de altura, obra de grande admiração e utilidade”. Ainda afirmou que viu correr essa água assim obtida e foi claro ao falar de OBRA e não de aparelho, assim contribuindo para que a Câmara da Bahia, em 1705, reconhecesse aquela invenção, concedendo ao Bartholomeu o privilégio de explorá-la.
É mais do que provável, que esse trabalho intelectual tenha motivado o seminarista a substituir o vácuo proposto teoricamente por Lana para fazer subir uma esfera, pelo vapor d’água; e que daí ele tenha chegado ao ar quente como melhor solução para essa ascensão, inventando assim o aeróstato, que faria voar experimentalmente ainda na Bahia, mas publicamente apenas em Lisboa (pela primeira vez em 1709), tomando tal aparelho, posteriormente, o nome de balão.

Passar do vapor, que é líquido vaporizado, para o ar quente, que é gás aquecido, para tornar a esfera mais leve do que o ar (proposta de Lana), explicaria o fato do jovem Bartholomeu ter inventado, quase ao mesmo tempo, uma obra hidráulica e um aparelho aerostático, como frutos de árvores diferentes, mas numa mesma linha de investigação tecnológica.
Com isso, pode-se encerrar as polêmicas que alimentaram a invenção, por ele, do carneiro hidráulico e a invenção do balão pelos irmãos Montgolfier, franceses. Ambas, frutos de uma outra árvore: a da ignorância que gera afirmações gratuitas, sem qualquer conhecimento teórico a sustentá-las ou um único documento. Ignorância que associada a um patriotismo vesgo tem contribuído para esconder o mérito verdadeiro de Bartholomeu Lourenço, que mais tarde acrescentaria “de Gusmão” ao seu nome.

Na próxima sexta-feira tem mais.