sábado, 29 de setembro de 2012

UMA CASA PORTUGUESA


Crônica

   A presença portuguesa na Bahia, desde 1500 - aqui foi descoberto o Brasil - tem sido fundamental para diversos setores do nosso cotidiano, desde o idioma que todos falamos até a arquitetura e o urbanismo nas cidades em que vivemos. Salvador foi - como Brasília e cinco séculos antes desta - uma cidade planejada por arquiteto - em Lisboa - e inteiramene construída, então, com materiais vindos de lá, naqueles barcos aparentemente frágeis, que atravessavam o mar oceano com o custo de muitas vidas humanas, trazendo para cá o que há cinco séculos se conhecia como civilização.

   Raro é o indivíduo, nesta cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos - não aceito os hífens que artificialmente se bota entre estas palavras - que não tem sangue português em suas veias, sendo prova disso o sobrenome que cada um carrega. Exceto, portanto, os imigrantes recentes, de outras origens, somos todos, aqui, portugueses e luso-descendentes. Mesmo aqueles espanhóis, italianos, europeus, africanos e asiáticos em geral, que aqui aportaram e que daqui não saíram mais, acabaram casando com baianas descendentes de português.

   Assim, os 150 anos do Gabinete Português de Leitura, que começam a ser comemorados neste 2 de outubro - até março de 2013 - constituem motivo de orgulho para toda a cidade e todos os cidadãos. Nos seus salões, foram realizados muitos dos principais eventos da sociedade, da família soteropolitana, a exemplo dos bailes de debutantes, quando ainda não existiam os clubes socio-desportivos e os grandes hotéis. Na sua biblioteca, muita gente entrou não só para ler ou consultar as grandes obras literárias de romancistas e poetas da língua portuguesa, mas igualmente ali foi o lugar de leitura de jornais para muita gente que não os podia comprar a cada dia. Professores de escolas secundárias e de instituições universitárias sempre a frequentaram para fazer pesquisas e ensinar seus alunos a realizá-las.

  Mantido com recursos próprios, até hoje sem ajuda governamental, o Gabinete Português de Leitura de Salvador faz milagres financeiros para não fechar suas portas. Neste momento, sob a presidência do comerciante Manuel Bernardino da Silva, tem uma diretoria dedicada e conta com o apoio logístico do Consulado de Portugal, na figura do atual cônsul - José Manuel Lomba - sempre presente e entusiasmado colaborador, apesar de não haver dinheiro em Portugal - neste momento mergulhado na crise européia - para ajudar nas despesas do GPL. Basta dizer que a revista Quinto Império está atrasada em sua publicação anual. Nos últimos meses, sua biblioteca esteve fechada, por falta de bibliotecária e o antigo forro de madeira do teto de um dos seus salões teve de ser retirado, porque tão velha e fina estava essa madeira, que já parecia papel e começava a cair.

   Apesar das dificuldades do momento, o sesquicentenário tem uma comissão consultiva constituida por pessoas de proa da nossa sociedade, que organiza um calendário a ser cumprido até março do próximo ano. Estará sendo comemorado, portanto, com respeito ao passado e esperança no futuro, sendo este o momento de mostrar a toda a Bahia o quanto essa instituição pertence a ela, porque isso parece não estar sendo percebido.  Embora se pense que é uma associação dedicada exclusivamente à Literatura Portuguesa - ali está um grande acervo de obras literárias lusitanas - sua atual diretoria está se esforçando em mostrar que ela promove a Leitura e esta não é apenas artística, mas também filosófica, científica, tecnológica e até religiosa ou mística, não havendo limite para o conhecimento e a investigação intelectual.

   Assim, o Gabinete Português de Leitura é um lugar, sim, para reunir pessoas que dedicam tempo à atividade de pensar sobre o mundo e sobre si mesmo. É um lugar de encontro para trocar idéias e de ação individual para promover a cidade e a sociedade. É uma casa para os escritores, os artistas, os filósofos e os cientistas baianos. Basta bater à sua porta, quando ela já não estiver aberta. Espera-se, portanto, que os baianos se agreguem às comemorações desse sesquicentenário e as aproveitem para  se inserir no espaço e nas atividades dessa instituição. Que se lembre os seus fundadores e todos aqueles que continuaram com sua proposta e seu trabalho nestes 150 anos de sua existência.
  

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O ESPAÇO DA CIÊNCIA

Crônica

 Esta crônica das sextas-feiras está com atraso de dois dias, porque passei cinco deles na organizada, limpa e bem iluminada João Pessoa, a capital da Paraíba, aonde fui para me isolar e fechar a trama de A Trilha dos Santos do Mundo, o último romance da trilogia Nortada, que deverá chegar às livrarias no dia 21 de dezembro de 2012, no solstício de verão, aqui, no Hemisfério Sul. Assim, no dia 22 de setembro, no equinócio da primavera, eu estava ali, na Estação Ciência, cerca de 40 metros acima do nível do mar, na Ponta do Seixas - o ponto oriental extremo da América do Sul - cujas falésias de argila estão desmoronando pela ação das ondas, que já destruíram totalmente as alvenaias de pedra que sutentavam a elevada pracinha de Iemanjá - justamente a Rainha do Mar - separando aquela ponta da Praia do Cabo Branco, extremo urbano Sul da cidade, onde me hospedei para meditar, andar e - por que não? - comer peixe, camarão e carne do sol.

Era sábado e as 4 horas e meia, na madrugada, acordei para ver pela janela envidraçada, à minha frente, o Oceano Atlântico e imaginar, além do horizonte, a África. Um dos dois únicos dias do ano em que o dia e a noite têm exatas doze horas (equi, em grego, significa igual), naquele momento a luz solar já inundava o céu. É ali, o ponto onde o dia começa mais cedo, em toda a América do Sul e esse conhecimento geográfico nos leva a refletir sobre o nosso planeta a navegar no espaço cósmico sob a ação de forças gravitacionais gigantescas, ele atraído pelo Sol e este, pelo núcleo da galáxia, pondo tudo em movimento frenético que mal percebemos porque também são enormes as distâncias entre os planetas e entre as estrelas.

Naquele dia, às 9 horas, saí para o calçadão da Avenida Cabo Branco, iniciando minha caminhada em direção ao Sul e subindo para a Ponta do Seixas, com o objetivo de visitar a Estação Ciência, num maravilhoso conjunto arquitetônico e urbanístico dedicado às ciências e às artes que deveriam estar em prédios separados, mas que, infelizmente, sofre um processo de dominação artística com o "espaço-ciência" invadido por exposições fotográrica, de pintura e tapeçaria e de escultura, homenageando figuras da música popular, da ação social e até da política. O belíssimo prédio de fachadas geométricas espelhadas, tão leve que parece voar, preso ao solo por rampas externas, assim, em si, uma obra de arte, feito para o Espaço Ciência, tem apenas menos da metade de um de seus dois pavimentos aproveitado para um projeto universitário de robótica, um mini-planetário para não mais de dez pessoas deitadas no chão e algumas cadeiras em frente a um monitor onde se presume poder ver documentários científicos. Só isso...

Este é um sério problema não só da Paraíba. O povo brasileiro, por inteiro, está sendo conduzido pela mídia eletrônica e pelos políticos em funções administrativas para uma alienação científica danosa ao intelecto e ao corpo humanos. A informação que aumenta o conhecimento e a capacidade de raciocínio nos cérebros está sendo minimizada em benefício da emoção fácil que atrai as massas de cordeiros assim facilmente manobradas por seus pastores, sejam os políticos, sejam os religiosos, sejam os promotores de venda (anúncios publicitários e patrocínios) na mídia eletrônica, com forte apelo aos apetites sexual, visual e auditivo através da música e das artes cênicas ou plásticas. Tudo isso se reflete no comportamento social, na perda de saúde física e mental e na idiotização do povo, com elevado prejuízo para a evolução do ego e acelerado processo de massificação que transforma homens em animais (a palavra grega anima significa movimento) que cultivam apenas o próprio corpo.

Tudo isso deveria estar sendo explicado em muitos "espaços-ciência" em todo o Brasil, inclusive nas escolas, formando indivíduos capazes para constituir sociedades sadias e prósperas, ao contrário do gado humano que declaradamente é chamado de cordeiros ou ovelhas por diversos tipos de pastores.
A presença da arte nos espaços da ciência, portanto, faz parte do processo de atração dos poucos indivíduos que buscam o conhecimento, desviando-o no seu próprio ambiente para a emoção e a paixão proporcionadas pelas artes. Nada contra estas, desde que não contribuam para a animalização dos intelectuais. Evidentemente, Arte também excita o intelecto na medida em que valoriza os símbolos e a interpretação destes, estejam eles na Literatura, na Pintura, na Escultura, na Música, na Dança ou no Teatro. Não se deve estar contra essas manifestações, mas se deve, sim, estar contra a invasão do espaço da ciência por elas. Sem a ciência, sem a razão, sem o mistério e a investigação, o homem perde o lado direito do seu cérebro e volta à animalidade. Os animais também fazem arte (basta ver os desenhos que estão nas conchas das praias, por exemplo, alguns mais belos que os de alguns artistas humanos), mas, na superfície da Terra, só os humanos são cientistas, filósofos e místicos.

Adinoel Motta Maia

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Educação, Cultura e Turismo

Crônica

Sim, estamos com nova Ministra da Cultura. Rainha morta, raínha posta. Como São Paulo é o maior centro cultural do País, parece que a proposta é mostrar aos paulistanos, que não faltará recursos para a Cultura naquela cidade, se o candidato do governo federal àquela Prefeitura for eleito. Isto talvez signifique que o resto do Brasil não terá verbas para a Cultura e assim ninguém deveria eleger os candidatos do governo à Prefeitura das demais Capitais. Conversa besta, simplória, esta, num País tão evoluído, politicamente, como o Brasil. Não é?

Seja como for, não custa dizer que não existe Cultura, sem Educação. Houve época em que os ministérios e secretarias estaduais eram da Educação e Cultura, assim, inseparáveis. Num País sem Educação, Cultura é só Folclore, isto é, manifestações autênticas, singelas, do povo que se diverte com danças, pantomimas, música e cantos em praças públicas, como acontece no Carnaval, no São João e nas paradas de gente colorida e divertida, bastante fantasiada, isto é, travestida. (Parêntesis para consulta ao Aurélio: Travesti = Disfarce no trajar).

Se deixamos os homens sem educação, isto é, como bichos, eles cultivarão os hábitos dos bichos, tais como o de comer sempre que tem vontade, de fazer sexo em qualquer lugar e de ocupar territórios alheios, defendendo-os com violência.

Quando eu era menino, existia um hábito nas famílias, o da educação doméstica, para ensinar a criança a respeitar os mais velhos, a se comportar em casa e em público, a sentar-se na mesa para a refeição, a andar na rua, a conversar com moderação, a vestir-se adequadamente ao ambiente que se frequenta, enfim, a não incomodar as pessoas em volta, com seu visual, seus ruídos ou sua postura.
Com esta base, tinha-se as condições mínimas para se entrar numa escola e ser educado para a prática cultural e em seguida, a profissional. O conhecimeno obtido permitia compreender, interpretar e aplicar os textos literários, as peças teatrais e os trabalhos de arquitetura, engenharia, medicina e outras tantas disciplinas, que tornavam as pessoas mais capazes de realizar obras e de compreender as que observava.

Hoje em dia, ainda é assim, mas apenas para uma elite intelectual que faz o próprio esforço. O Estado é politicamente interessado na quantidade de votos que elegem membros de um partido para um cargo de governo e o que se vê é uma preferência pelos apetites mais primitivos, por exigirem menos esforço intelectual e terem um apelo passional mais forte, juntando-se gente como gado em frente a um palco e comandando esse grupo com gritos e sons para que pulem e cantem em uníssono  Nada mais.

Enquanto isso, por exemplo, em todo o Estado da Bahia, não há um Museu de História que mereça essa qualificação. Temos um Museu de Geologia, mas como é divulgado e se prepara pessoas para que desejem visitá-lo? A educação que se dá visa quase apenas a preparação para o exame vestibular que seleciona para as universidades, onde se educa apenas para o preenchimento de vagas em funções públicas ou privadas. Não se forma pessoas para a cultura e a pesquisa, como uma atividade paralela à profissional. Como pode alguém dizer-se consciente, se não sabe olhar para o céu e situar sua insignificante pessoa no contexto do Universo? Como alguém pode ser consciente, se não é capaz de escolher um candidato, numa eleição e vota apenas na musiquinha que mais lhe agrada ou no apelo passional de uma proposta que não será cumprida?

Vivemos num país em que se faz Cultura na pasta do Turismo e se faz Turismo na Pasta da Cultura.
Não é? Agora temos uma Ministra da Cultura que já foi Ministra do Turismo. Falta um bocado de preocupação com o reflexo que cada um consegue em frente a um espelho.
Adinoel Motta Maia
_________________________________________________________________________________

 
LEIA TAMBÉM O MANIFESTO DO APOCALIPSE EM http://adinoel-blogart.blogspot.com
_________________________________________________________________________________
 


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DEPENDÊNCIA, INDEPENDÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA


Crônica

Nada mais oportuno do que conversarmos no dia 7 de setembro, sobre IN(TER)DEPENDÊNCIA!
Na medida em que evoluimos em nossa intelectualidade (ainda há quem valorize mais sua animalidade), a tendência é privilegiarmos a razão em benefício da emoção cultivada e controlada, contra o domínio da paixão, que nos traz doenças psíquicas e físicas, vícios, egoismo com roupa de amor, ódio, violência generalizada e finalmente, morte.

Não há independência nas nações sem democracia, porque as ditaduras costumam subordinar-se a interesses estrangeiros, mais econômicos do que políticos (ver o exemplo histórico brasileiro).  Por outro lado, não há democracia sem respeito à vontade e escolha do cidadão, isto é, do indivíduo que  cresce e pensa melhor na medida em que vive mais (maior experiência) e sabe mais (maior qualificação cultural e profissional). Em síntese, a valorização do indivíduo determina sua capacidade de escolha dos seus governantes em processos democráticos.
 
Assim como esses indivíduos não vivem isolados e dependem de suas relações com outros indivíduos, as nações também dependem, econômica, financeira, social, cultural e politicamente de outras nações. Não há nação rigorosamente independente. A Alemanha de Hitler tentou ser e fazer o que queria, dando no que deu. Hoje, a Europa é um conglomerado de nações, como os estados brasileiros e norteamericanos o são, constituindo federações. A Europa tende a ser os Estados Unidos da Europa. Sem amadurecimento político, não conseguirá atingir esse objetivo sócio-econômico. Enquanto estiver dominada pelas paixões patrióticas que têm provocado muitas guerras, deixará de colher a emoção da união, que só o amor promove.
 
O Brasil só conseguiu ser o País que é, porque os portuguêses foram capazes de unir todas as tribos e colônias num sistema de capitanias hereditárias controladas pela Corôa, mantendo-as sob o domínio de Portugal até sua independênica, unificando todo o território e colocando no trono brasileiro o filho do rei português. D. Pedro I, que depois seria rei em Portugal, como D. Pedro IV, declarou o Brasil independente, ficando tudo em família, ao contrário do que aconteceu com as colônias espanholas, desagregadas, cada uma com sua independência particular. Assim foi, porque quando Portugal descobriu o Brasil em 1500, tratou-o como um pai trata o filho no seu nascimento, entregando-o à sua mãe - a nação indígena multi-tribal então existente no seu território, cultural e politicamente primitiva, educando-a e dando-lhe uma única lingua, com uma única religião - como também ocorreu com as colônias espanholas - mas, além disso, com a fundação de um Vice-Reino e a decisão do Rei de Portugal em transferir o governo para cá, fazendo do Rio de Janeiro, por algum tempo, a capital do País, assim preparando-o para sua independência e para ser a capital do Império, sem separações. Independência essa, que, como sabemos, já vinha sendo exigida por intelectuais e comerciantes luso-brasileiros, inclusive na Bahia, onde houve lutas heróicas e assim foi concedida sob pressão, como um pai é pressionado para deixar seu filho sair de casa e cuidar da própria vida, relacionando-se com a família e pondo o sobrenome desta em seus próprios filhos.
 
É importante salientar que ao adquirirmos nossa independência política, não conquistamos a independência econômica. Saímos do domínio e influência imperialistas de Portugal para o domínio e influência capitlista da Inglaterra no século XIX e dos Estados Unidos da América no século XX, ditadura após ditadura, na República. A última, contra a qual se lutou, nos deixou  de frente para uma conjuntura econômica mundial permeada por guerras setoriais nas quais se alterou o conceito absoluto de independência para um estatus grupal, de países a formarem conglomerados com interesses comuns. O conceito de independência nacional vai se transformando em interdependência de mercados, que influem em decisões políticas, como vemos agora, por exemplo, com a Rússia se posicionando políticamente a favor da Síria porque depende econômicamente desta. Do mesmo modo como temos de ser amigos da China, no Brasil, por ser esse país nosso maior comprador de comodities. A Grécia, sem cão nem gato, submete-se ao Banco Central Europeu ou morre. Se ninguém tem mais independência absoluta, já é hora de eliminar as paixões e seguir a razão, para preservar as boas emoções da cultura e da civilização, extinguindo definitivamente nossas raízes tribais e optando por uma humanidade que reconhece sua condição intelectual.
 
Adinoel Motta Maia