quarta-feira, 31 de março de 2010

LETRA E MÚSICA 04

Em LETRA E MÚSICA 03, foram feitas algumas digressões autobiográficas para ilustrar a necessidade de oferecer a leitura em degraus aceitáveis, até que o leitor se capacite a penetrar por caminhos formais da leitura. O mercado livresco exige isso, a indústria editorial atende com presteza, mas a crítica continúa sendo rigorosa no combate à linguagem objetiva, direta, não metafórica, na narrativa ficcional. Uma das melhores e mais conceituadas vozes na análise da Literatura enquanto Arte, tem sido a da mineira Letícia Malard, que escreveu em livro:

“leitura: momento na prática social do indivíduo em que é instado a usufruir um objeto escrito”.

Parece evidente, nesta frase, assim genérica, que é o indivíduo quem determina o seu estado de satisfação, a qualidade do que o satisfaz e o tema ou o tratamento literário da coisa escrita que lhe interessa, não se devendo, portanto, em nenhum momento, cercear o seu desejo de usufruir um texto porque alguém, por mais competente que seja, acha esse texto inadequado, por tal ou qual motivo.
Isso nos leva não só ao livro, mas a outros suportes das letras, inclusive a música.
Tem sido usado como exemplo cabal a letra de música popular muito ouvida na Bahia em “shows” paralelos às festas de carnaval, que repete as palavras “água mineral” em sucessivas entonações e firulas de voz, parecendo ser só isso o que se quer passar ao ouvinte, numa pobreza franciscana de dar dó.
Para quem compôs, para quem canta e para quem ouve - este pulando de alegria - seria uma lástima, digna de condenação eterna, se não fosse necessário como primeiro degrau, daqueles bem baixos, como devem ser os que se oferece a crianças que dão os primeiros passos por conta própria.
Voltamos assim à pergunta embutida no texto aqui veiculado na quarta-feira anterior. Por que escrever? Para quem ler? É natural que ao se chegar a uma verdade, embora apenas sua, própria, incipiente para outras pessoas que já estão adiante, se queira divulgá-la. Mas, quem está atento ou disponível para recebê-la e aceitá-la, no nível em que é colocada?
A constatação é que o aumento populacional está pondo no mercado uma quantidade enorme de egos ainda mais próximos da animalidade do que da intelectualidade, todos precisando de degraus baixos, na longa escada a subir. Vamos ajudar essa gente ou simplesmente ignorá-la? Já vão longe os dias em que se fazia uma guerra qualquer para matar dezenas de milhares dessas “pessoas” numa única batalha.
Volte na próxima quarta-feira.