domingo, 28 de março de 2010

PROPOSTA E RESPOSTA 03

Ainda não são muitas, nem devem ser, mas são significativas, as respostas que têm chegado a este blog e que servem como referencial, como balizamento, para a sua proposta. Uma das que chegaram nesta semana, reagindo à onda de “fim do mundo” que inunda a televisão, aqui analisada, pergunta se pode confiar nos personagens bíblicos que alegam receber mensagens divinas através dos sonhos, sobre o fim do mundo, o juizo final, coisas assim.
Em outras palavras, quer saber se os sonhos são confiáveis.
Aposentei-me em 1996, do magistério universitário e do jornalismo, para escrever uma obra de ficção – uma trilogia intitulada “Nortada” – com uma visão histórica e uma discussão universal da relação entre a religião, o misticismo, a filosofia e a ciência, numa linha que atravessa todo o período monoteísta do pensamento humano. São três romances, dois dos quais já estão prontos, mas ainda sofrendo alterações impostas, um sobre os outros. Razão porque ainda não devo liberar qualquer desses originais para publicação.
Num deles, há uma conclusão de que o sonho nada mais é do que parte do resultado da digestão intelectual cotidiana, relacionada com toda a memória do indivíduo nos seus arquivos Consciente e Inconsciente. Como os nutrientes (aproveitados) e as fezes (lançadas fora) são o resultado da digestão alimentar nos intestinos animais.
Peço que não se tire qualquer conclusão a partir dessa assertiva, sem a leitura completa do referido livro, mas acho que posso ilustrar um pouco essa afirmação com um exemplo, de um raro sonho do qual me lembrei de tudo ao acordar e por um tempo que me permitiu ir ao computador e registrá-lo por inteiro. Três dias depois, suas imagens ainda estão vivas em minha mente, o que, em mim, é inusitado.
Ocorreu agora, na madrugada do último dia 25 de março de 2010, eu com 72 anos na realidade, mas sentindo-me ainda jovem, sei lá, ali pelos meus 20 anos, não sei bem, como me sentiria, num momento que seria da minha juventude, mas que nunca ocorreu.
Da realidade física, o apartamento em que moro hoje, este o cenário. Do meu estado psíquico, a pessoa que eu era na década de 1950.
A seguir, o texto escrito no computador logo após acordar:

“No quarto em que durmo hoje, com minha mulher, estava eu, sentado na cama de casal, cercado pelos mesmos armários que temos, conversando com outros jovens como se fossem meus colegas, mas sem qualquer correspondência aos meus verdadeiros colegas de qualquer época (nenhum deles jamais entrou em minha casa). Era como se eles assim se apresentassem, mas eu não tinha certeza se eram. Não lembro dos diálogos, se houve diálogos, eu sentia como se falassem besteiras. Comportavam-se como um tanto alienados, acho que dois ou três rapazes e duas moças, que me visitavam, não sei por que, mas demonstravam uma certa camaradagem. No meio da conversa, passou um gato meio branco, meio amarelo, correndo e saltando por cima da cama, da qual se lançou para a janela aberta, saindo por ela na escuridão da noite. Eu pensei e falei que estávamos no décimo andar e o bichano iria se esborrachar na rua. Achamos todos “uma loucura”, alguns riram. Eu não sabia que gato era aquele, não era meu nem da casa. Levantei-me e fui até a cozinha. Lá estavam dois dos jovens, rapazes. Um deles fritava numa frigideira, duas pequenas peças de joelho de porco, já douradas, com pequenos ossos finos; o outro procurava algo no refrigerador aberto. Como se diz, metiam a mão, sem pedir licença, eu achava aquilo um absurdo, mas não falava nada. Eles se diziam meus colegas, eu sentia que eram, mas não os identicava bem. Uma das moças chegou à cozinha e então observei bem o seu rosto meio redondo, cabelos curtos cacheados e alourados, o vestido verde azeitona estampado e cinturado, mas folgado, falando bastante, não sei o que. Notei, então, a porta da rua, a de serviço, aberta e lá fora, o rosto da minha mãe, exatamente como era, com a mesma expressão de cinqüenta anos atrás, bonita e moderna, curiosa, olhando para a porta, sem entrar, como a achar que aquele não era o seu apartamento, pelo que via lá dentro. Eu não percebia, mas sentia que o meu pai estava com ela e estranhava não estarem a seu lado também a minha avó e a minha irmã, que ainda moravam comigo, então. Repito que tudo parecia uma cena da minha juventude, mas com cenário onde moro hoje. Aproximei-me da minha mãe, para dizer algo, quando notei no chão da área entre a porta da rua e a da cozinha, cinzas em boa quantidade, como se houvessem fumado bastante ali. Cinzas grossas, em duas porções. Imaginei que fossem de alguma droga e as liguei, no sonho, ao gato que corria como um louco e se lançava pela janela. A moça de vestido verde falava com a minha mãe a entrar em casa, quando eu tentava apresentar aquela gente a ela, mas não sabia os nomes das pessoas, que, de repente, estavam todas na cozinha, como se aquilo fosse uma festa para a qual teriam sido convidadas. Acordei e não dormi mais. Levantei-me e estou a escrever estas palavras, achando que este sonho pode ser um exemplo para a minha teoria sobre todos os sonhos e também servir a uma peça de ficção. Algo inusitado, que nunca aconteceu nem poderia ter acontecido na minha realidade, mas que cai na minha bandeja, pronto para ser servido como um bom exemplo e que hoje se encaixa na minha teoria da consciência como um prato feito.”
Como nas fezes fisiológicas, as psicológicas, assim lançadas para fora, servem para análise da saúde (física ou psíquica) e como fertilizantes para a cultura (agrícola ou artística). Respondo agora, à minha interlocutora: na digestão intelectual, os neurônios mandam para a memória (consciente e inconsciente) o que é útil. Os resíduos, os restos, vão para fora em sonhos e pesadelos. Servem para alguma coisa, mas não se pode confiar neles como informação, porque são falsos no todo ou em parte. Ainda que os cenários e os personagens sejam reais, as ações ou suas propostas estão fora dessa realidade.