sexta-feira, 12 de março de 2010

AVES E NAVES 01

Desde quando, desejou, o homem, voar? Ao descer das árvores, há sempre a perspectiva de se lançar abaixo em planeio suave, mas todas as experiências, desde as primeiras eras, trouxeram certamente dolorosas conseqüências. Quem observou, pensou, tocado por esse desejo, invejando os pássaros, as aves voadoras. Não se supõe que se tenha invejado os insetos alados, mas não havia outro modo de voar no mostruário da Natureza. Todos os animais voadores tinham asas.
Quem primeiro enfrentou essa proposta com consciência e denodo, registrando seus pensamentos, até com desenhos e bastante teoria, foi o nosso querido e mui festejado italiano Leonardo da Vinci, ainda no século XV, observando o vôo dos abutres e descobrindo, por exemplo, que sem bater as asas, eles subiam, desde que tivessem o vento pela cara, em sentido contrário ao do seu vôo. Seus seguidores perseguiram tais idéias aerodinâmicas. Sem asas, admitiu Leonardo, podia-se no máximo descer suavemente e desenhou um pára-quedas. Subir, jamais...
Outro italiano, um padre jesuita, Francesco Lana, no século XVII, em 1670, imaginou e desenhou uma “naveta volante”, que seria um barco ao qual se amarraria quatro esferas, em cujo interior se faria o vácuo (acabara-se de inventar a bomba para isso). Tais esferas, mais leves que o ar, suficientemente grandes, poderiam fazer subir o barco, que velejaria como qualquer outro, não mais nos rios e mares, mas nos ares. Qualquer esfera, no entanto, de material que não colasse suas paredes, ao se retirar o ar do seu interior, seria mais pesada que este e logicamente jamais subiria. Um sonho irrealizável...
Logo depois, quando o Brasil ainda era Portugal, o jovem santista Bartholomeu Lourenço, aos 10 anos em 1695, chegava ao seminário jesuíta de Belém da Cachoeira na Bahia. Criança intelectualmente inquieta, um ego já evoluído para observar fenômenos e experimentar idéias deles oriundas, logo, aos 13 anos, estava a fazer uma obra, um cano de cem metros de comprimento pelo qual teria feito subir água para um seminário, vencendo um desnível de não menos que cinqüenta metros, antes aquecendo a água num brejo e transformando-a em vapor, que voltaria a ser água ao se resfriar, no tanque do seminário. O velho processo da destilação, até então só aplicado para separar líquidos.
Parece não haver ligação, mas deve ter sido assim que ele começou a inventar o balão. Quem fazia a comida no seminário, fosse uma velha indígena ou um padre jesuíta, tinha, por certo, no fogão, panelas de barro a ferver água e tampas nessas panelas. Uma criança observadora vê nesse processo, que a água evapora e sobe, depositando-se em gotas no interior da tampa, que, se não for muito pesada, tende a subir e bate ruidosamente de volta, nas bordas da panela.
No ano passado, em 5 de agosto, comemorando o tricentenário da primeira vez em que se mostrou publicamente a ascensão do aeróstato inventado por Bartholomeu, fazia eu palestra na igreja do antigo seminário de Belém da Cachoeira, pretendendo revelar essa descoberta e acabar com duas polêmicas – a daquela obra e a do aeróstato – mas antes de fazer qualquer afirmação, tendo um grande grupo de crianças da escola da Paróquia em um dos lados da igreja, perguntei a elas se já tinham visto uma panela a ferver água num fogão. Uma menina levantou o braço, sorridente. Perguntei-lhe se ela via a tampa bater e o que via nessa tampa. Disse imediatamente que via gotas de água presas nela. Tinha menos de dez anos. Toda a platéia reagiu com o entusiasmo de Arquimedes ao dizer “Eureka”.
Esta é a primeira nota que aqui colocamos sobre o assunto. Por enquanto, digo apenas que assim o adolescente Bartholomeu descobriu ao mesmo tempo como fazer subir a água e qualquer outra coisa. Com vapor de água, isto é, com ar quente. Haveria talvez, algum padre jesuíta, possivelmente italiano, ali, com o livro do Lana a mostrar sua “naveta volante”. Substituir o vácuo pelo ar quente numa esfera...
Não preciso dizer mais nada.
Bartholomeu Lourenço inventou o balão em Belém da Cachoeira antes de 1701, quando já foi tratar do assunto em Portugal, onde faria subir, em 1709, pela primeira vez na história do homem, uma máquina voadora, capaz de elevar-se com recursos próprios. Há muitos documentos comprovando tudo isto (ver nosso artigo completo sobre Bartholomeu e seu aeróstato na edição de 2009 da Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia).