terça-feira, 30 de março de 2010

ACHADOS E PERDIDOS 04

A coragem é inerente à profissão de jornalista, mas este fará muito pouco se as outras pessoas não tiverem também a própria coragem de expor sua observação, seu estudo, sua experiência, sua análise e sua conclusão nua e crua, doa em quem doer.
Trago um importante exemplo, aqui, hoje. Não há multidões visitando este blog, ainda nos seus primórdios, nem é sua proposta atingir o grande público, mas sobretudo registrar para a posteridade o fruto de décadas de observação, estudo, experiência e análise, como um arquivo onde qualquer pessoa possa a qualquer momento, buscar uma luz refletida num espelho que procura se manter limpo e de boa qualidade, para não deformar as imagens.
O jornalista e escritor Gay Talese, então com 77 anos, foi entrevistado na ilha de Manhattan (New York – EUA), por um extraordinário jornalista, da “Veja”, o André Petry, sendo a matéria publicada na edição de 17 de junho de 2009. Anotei o seguinte trecho:

“A imprensa se sustenta com publicidade, e o pessoal tinha receio de ser percebido como anti-patriótico – o que naqueles dias era o mesmo que ser anti-Bush – e acabar financeiramente punido, com os anunciantes debandando. O comediante Bill Maher fez uma brincadeira em seu programa na rede ABC, dizendo que os terroristas podiam ser chamados de tudo, menos de covardes, e foi retirado do ar. Essa atmosfera durou uns dois anos”.

Os anunciantes. Não há imprensa livre sem anunciantes. Quem paga a conta, manda no cardápio, desde o do botequim ao do restaurante de alto luxo. Quando o Estado paga a conta inteira de uma revista, um jornal ou uma emissora de televisão, é ele quem manda, sozinho, o que significa a vontade e a visão do dirigente máximo, com ou sem assessores.
Se a conta dos custos editoriais é paga por um grupo empresarial, através de anúncios ou publicando ele mesmo o órgão (“house organ”), nada se publica ali sem a anuência desse grupo, conforme seus interesses.
A imprensa livre e independente é aquela sustentada por anunciantes do Estado e da Iniciativa Privada, os mais variados, que se submetem à VONTADE E VISÃO DA EQUIPE JORNALÍSTICA que busca a verdade na investigação e no esforço de reportagem, até, não raramente, com risco de vida para o repórter. No fundo, contudo, quem lhe dá essa independência e financia sua coragem é o leitor, porque de uma grande tiragem ou audição/visão depende o interesse de quem anuncia e paga o necessário para sustentar a estrutura de informação e análise que põe órgãos impressos nas ruas ou nas mãos dos assinantes e programas no ar.
Mesmo quando a informação ali veiculada é contrária aos seus interesses.

O leitor, ao contrário do que muitos pensam, nunca é burro. Quem é burro, não lê. Vê apenas figura na televisão ou ouve um “som” qualquer, achando que é música, buscando sempre a emoção barata das cenas de violência, das catástrofes, do sexo grotesco, da pornografia camuflada e da demagogia enganadora. O perigo é que esse “não leitor” já é quantitativamente tão importante, que dá audiência suficiente para atrair anunciantes interessados em vender seus produtos a essa faixa do mercado. É justamente isso, que está levando nossa sociedade (como outras, em todo o mundo) a se dividir entre “os que incomodam” e “os que são incomodados”.
Sem educação e sem punição no lar e na escola, não há solução. A escola lúdica é só para crianças. Após a alfabetização, escola é trabalho. O trabalho de estudar e aprender a pensar e fazer. Só isso. Não se realiza essa tarefa com políticos, mas com educadores bem formados.
Bem formados e informados.