quarta-feira, 5 de maio de 2010

LETRA E MÚSICA 09

Estamos nós, seres humanos, aproveitando todo o potencial de nossos equipamentos físicos?
Falo de coisas conhecidas, mas pouco divulgadas e ainda menos, discutidas.
Além das funções motoras, que nos permitem ir a todos os lugares desejados, temos as reprodutoras e outras tantas, mas em especial, cinco sentidos para perceber o ambiente que nos cerca, com todas as suas maravilhas.
Abrimos os olhos e temos as formas e cores em milhares de combinações.
Fechamos os olhos e ouvimos os ruídos e os sons que nos cercam, desagradáveis e agradáveis.
Deixamos estes dois de lado e sentimos os odores das pessoas suadas, das rosas num canteiro ou da comida que se faz numa esquina.
Resolvemos ir até essa esquina e colocar na boca aquilo que está sendo feito, para logo esquecer de tudo e nos concentrarmos na excitação que as substâncias trazem à nossa língua, fazendo-nos salivar de prazer.
Aí, encontramos uma pessoa amiga, tocamos em sua mão e em seu rosto, até mesmo abraçando-a, antes de pegar no talher e fazer a refeição, também assim percebendo o outro, pelo tato.
Se os cegos e os surdos valorizam demais estes três últimos sentidos, a grande maioria da população cultiva apenas a leitura e a música.

A vida agitada, o cotidiano dos compromissos, a agenda entupida, a necessidade de ganhar dinheiro para pagar as contas, tudo contribui para que nos esqueçamos de olhar, ouvir e sentir o que existe ou acontece em volta de nós.
Aí, passamos numa livraria e levamos um livro novo para casa, de um autor que profissionalmente vê, ouve e sente. Lemos o seu texto porque não temos tempo para fazer o que ele fez, experimentando a vida e anotando o que sua sensibilidade percebeu, não só com a visão e a audição, mas igualmente com o olfato, o paladar e o tato.

Mas as coisas estão mudando.

Com as novas tecnologias eletrônicas, a audição se associa à visão de imagens para narrar, informar e explicar, melhor do que o fazem os textos literários.
Prescindirá, o homem, da leitura, um dia?
O conforto intelectual traz a preguiça mental.
Quão mais confortável for a obtenção da informação, mais superficial será ela.
Com toda a mais avançada tecnologia, esta tende a substituir a leitura pelo som (musical ou informativo) associado à imagem pronta (sem necessidade de criá-la na mente) e é aí que mora o perigo.

SEM A LEITURA, TODA CULTURA SE SIMPLIFICA. VIRA FOLCLORE. ELETRÔNICO.

Ainda mais: a leitura nos desperta para o detalhe. Eu passo diariamente por uma esquina e não dou importância a ela, não me detenho para ver, apenas olhando-a como um referencial para o meu movimento, a pé.
Aí, alguém escreve sobre ela e eu leio que há ali um vendedor de pamonhas, milho cozido e amendoim.

“As pessoas param para comprar. O odor inconfundível do milho me provoca e a mulher que o pega com a mão, levando-o à boca faz-me salivar. O homem usa luvas para tirar do carrinho duas pamonhas de carimã, que logo são colocadas num pequeno saco plástico incolor e transparente. O velho as toma com a mão esquerda e paga com duas moedas de um real, deixando aberta a mão direita para receber o troco. Rápida e lépida, a mãe puxa o menino que fala: “Eu quero amendoim!” Antes de terminar a frase, já havia dobrado a esquina com a cabeça voltada para os pacotes expostos, substituídos no seu campo visual, pelo muro da casa. Sentiu o gostinho da guloseima, como se a tivesse comido. Fez uma careta de choro e continuou andando. Puxado pela mão. Olhando para trás. Em silêncio.”
A vida é assim. Tem cheiro, tem gosto, tem tato, tem paisagens e ruídos.
Todos maravilhosos, se temos tempo para perceber.
Como não o temos, compramos livros e lemos sobre as experiências de seus autores.

Até a próxima quarta-feira.