sexta-feira, 20 de setembro de 2013

CIÊNCIA E POVO


Crônica científica

Na segunda-feira passada, a Academia de Ciências da Bahia apresentou resultados de uma pesquisa encomendada à Datafolha para saber o que pensam os soteropolitanos sobre Ciência e Tecnologia. As pessoas que lotaram o pequeno auditório da Fapesb - a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia - não se mostraram surpreendidas com os dados projetados no telão, porque é evidente o desinteresse da massa da população baiana e particularmente da soteropolitana, pela informação científica e ainda mais pela tecnológica. Tentando resumir em um único número genérico esse interesse, com base nessa pesquisa muito ampla e detalhada, arriscaríamos dizer que apenas sete por cento de nossa população tem alguma vontade de saber alguma coisa - pouca ou muita - nessa área. Ainda assim, devemos considerar que esse interesse detectado inclui temas mais populares, como os da saúde, da alimentação e da reprodução. É evidente que o universo dos dados obtidos está distribuído em inúmeras possibilidades de abordagem e já foi dito naquela reunião, que a Academia de Ciências da Bahia se debruçará sobre os resultados apresentados para chegar a um diagnóstico e um tratamento adequados à situação, que é de doença da nossa sociedade, onde fatores sociais, políticos e econômicos - inclusive religiosos - contribuem para a manutenção da ignorância. Quanto mais ignorante é um povo, mais facilmente pode ser enganado e dominado.

Por outro lado, na abordagem da Ciência, é muito larga a faixa de interesses, com a tendência de se incluir tudo no rol das ciências. Por exemplo, aquilo que se refere à vida urbana, como a habitação e o transporte, pode ser inserido na Geografia enquanto ciência. Qualquer coisa que permita uma abordagem estatística pode ser inserida no contexto científico. Uma simples pesquisa de mercado é passível de análise que contribua com uma proposta científica. Antes de tudo, portanto, é necessário traçar as fronteiras da área que se quer estudar e explorar. A ciência pode ser pura ou aplicada. À ciência aplicada, costuma-se chamar de tecnologia. Uma coisa é estudar o corpo humano fisicamente (Antropologia Física) e outra é fazê-lo no conjunto da sociedade à qual ele pertence (Antropologia Social). Aquela serve, por exemplo, à Medicina, enquanto esta, à Política. As fronteiras se elastecem e não raramente promove-se superposições com interesses os mais variados, desde o de obter inclusão de um texto numa publicação "científica" até o de candidatar-se a uma verba restrita a pesquisa "científica".

Quando se forjou o termo "Ciência & Tecnologia", procurou-se resolver esse problema de uma vez por todas. Considera-se "Ciência", o conjunto dos processamentos de dados que conduzem ao conhecimento em geral e aos métodos de pesquisa do conhecimento novo. À aplicação disso, chama-se "Tecnologia". Por vontade política e interesses econômicos, as verbas públicas e privadas estão sendo orientadas quase exclusivamente para a Tecnologia e mesmo nesta, para a busca de novas patentes de produto e de processo, às quais se dá o nome de Inovação. Está na moda promover a inovação. Vivemos, assim, a civilização da corrida pelo novo. Assim, não adianta gostar de valsa, porque só se vai ouvir rock ou funk. Se a sociedade não gosta de funk, não tem importância. Faz-se uma campanha publicitária mundial, invade-se a mídia com anúncios que a sustentam e obtém-se boa crítica e muito espaço para condicionar a sociedade a consumir essa inovação. Estamos usando um exemplo artístico para nosso assunto científico, porque fica mais fácil abordar essa questão com o que todos os leitores conhecem. Aplicando esse raciocínio ao tema científico, poderíamos falar de uma "nova" substância descoberta ou inventada em laboratório para atender uma necessidade de consumo fabricada pelo marketing de empresas que vivem de inovação.

Enquanto isso, todo o universo científico que não gera lucro para ninguém, mas apenas despesa a fundo perdido, com o objetivo de ampliar as fronteiras do conhecimento, fica abandonado e a sociedade sequer é motivada a saber da sua existência. Por exemplo: havia uma publicação periódica que nos dava o mapa do céu a cada mês e os comentários correspondentes às ocorrências que se poderia observar no período. Essa revista deixou de ser publicada no Brasil porque não havia público suficiente para sustenta-la. A falta de informação adequada nas escolas brasileiras, que promovem atividades lúdicas artísticas e nenhuma atividade lúdica científica - como a astronomia, por exemplo - provoca essa deformação cultural lamentável. Hoje na presidência da Academia de Ciências da Bahia, o Prof. Dr. Roberto Santos, que nos honra como ex-reitor da Universidade Federal da Bahia e como ex-governador do Estado da Bahia, fez então o Museu de Ciência e Tecnologia que tivemos por alguns anos e foi propositadamente abandonado pelos governadores que o sucederam, até hoje. É este o melhor exemplo para o que acima foi dito e nos pede uma resposta à pergunta: A quem interessa uma mídia que só apoia a ciência que aumenta os lucros das empresas anunciantes?

Adinoel Motta Maia