sexta-feira, 10 de maio de 2013

O GESTOR DA INEXISTÊNCIA


Crônica científica

Passando hoje pelo centro histórico de Salvador, deparei-me com a igreja da Ajuda aberta e entrei. Não hesitei em comentar para duas pessoas que trabalhavam ali - não havia mais alguém - sobre a importância dela, a mais antiga entre as existentes na cidade. Pouca gente a conhece. Poucos católicos sabem sequer da sua existência e raros conseguem falar sobre ela mais do que trinta segundos. Não há interesse, entre os homens, além do seu horizonte, isto é, além do campo onde pode encontrar algum retorno para sua atenção. Dir-se-á que esta é a lei da sobrevivência. A questão é que ninguém está condenado a apenas sobreviver, mas quase todos parecem satisfeitos com essa perspectiva, seguindo a lei do menor esforço.

Assim, as primeiras palavras desta crônica, aí acima, podem já ser suficientes para que o leitor desista de continuar a lê-la, não vislumbrando um ganho qualquer em troca dos minutos necessários à sua leitura total. Esse procedimento é natural e eu próprio ajo desse modo, premido por uma agenda cada vez mais opressora, feita com um bocado de compromissos resultantes do interesse dos outros. O telefone toca, fazemos aquele gesto automático de tirar o fone do gancho e alguém acaba nos exigindo um tempo naquele momento ou marcando uma hora em um dia qualquer para ouvirmos uma oferta que possivelmente nos trará alguma vantagem ou algum serviço há muito desejado. Quanto disso está enchendo nossa agenda?

É portanto fundamental, para quem escreve, perguntar antes de tudo se o seu assunto é de interesse apenas seu, de divulgação, ou realmente vai atingir a necessidade de alguém, raramente de todos. No outro lado, esse alguém selecionará para ler apenas aquilo que o interessa. Não só de quem escreve, mas sobretudo de quem publica, seja um jornal diário ou uma revista semanal, seja um livro ou no outro extremo, um blog como este, visto - pode ser - por apenas uma pessoa ou até mesmo por ninguém. Ao fazer este comentário, até aqui, podemos estar, como se diz, apenas "enchendo linguiça", ou "chovendo no molhado", pela obviedade do tema e do seu tratamento, mas nosso objetivo é justamente o de mostrar que no panorama de um campo gramado ou de um céu noturno sem nuvens é possível encontrar, respectivamente, uma intensa atividade microbiana ou uma presença misteriosa de incontáveis estrelas. Tudo depende do instrumento que temos ou não temos ou de como o usamos para observar, pesquisar e estudar o óbvio. Como se diz no meio literário: a capacidade de cada leitor, de ler nas entrelinhas, de encontrar nelas o que o autor não escreveu, é fruto do que esse leitor já leu, pois aquelas palavras expostas são chaves necessárias a se juntar com outras, anteriormente adquiridas, capazes de revelar fatos transcendentais para quem já foi iniciado no assunto; mas absolutamente inócuas para quem tudo ou muito ignora.

A Ciência - pode-se ter certeza e deve-se divulgar - só é reveladora num meio onde se busca o inusitado no campo do óbvio, porque ninguém vai encontrar o fato novo como um peça numa galeria de arte ou num museu de história, onde tudo o que interessa está exibido e etiquetado. Quem teve paciência para chegar até aqui, neste texto óbvio, pode descobrir a fórmula que cria o inovador, o inventor, o descobridor: a necessidade de ser engenheiro, que não é um físico, um químico ou um matemático, mas tudo isso junto. Alguém capaz de navegar nesses mares onde nada de novo parece existir, mas junta-os e forma estruturas de pensamento, estas sim, inovadoras. Em síntese, ninguém procure o novo num campo qualquer, apenas observando-o. É necessário ter a consciência plena do óbvio em caráter multidisciplinar, para identificar o que surge nesse meio e que é realmente novo.
O engenheiro, portanto, não é aquele que apenas projeta e constrói seguindo normas, mas o que realmente engenha, cria, vai buscar tudo no nada, o inusitado no óbvio. É o gestor da inexistência.

Adinoel Motta Maia