sexta-feira, 1 de março de 2013

O PAPA QUE FICOU SOZINHO


Crônica científica

O procedimento inusitado de Joseph Ratzinger, recolhendo-se ao convento, como um humilde monge, depois de viver oito anos no topo do mundo, no luxo dos palácios, no centro das atenções intelectuais, com o poder de um rei - para muitos, um deus - desperta sentimentos que variam da surpresa à incompreensão, na escala referencial dos seres humanos que precisam estar em grupos, sejam familiares, vicinais, políticos, profissionais, sociais, para sentirem a vida, na presença do outro.
Vencido o momento em que, após o surpreendente anúncio da renúncia ao cargo de Papa, ele simplesmente saiu do Vaticano e voou num helicóptero para um palácio na montanha, fechando-se o portão rigorosamente às 16 horas do dia 28 de fevereiro de 2013 - conforme programado - assim configurando-se o status de isolamento no qual se propôs viver doravante.

O procedimento de Joseph Ratzinger é uma prova científica da evolução do Ego. Os seres ditos animais primitivos como as colônias de insetos em que há uma "raínha" a comandar seus demais membros têm o único propósito de sustentá-la e fazê-la cumprir sua missão de procriar. A reprodução é o maior propósito da Natureza, porque é ela quem mantém a vida em corpos materiais movidos por energia proveniente do Sol, ditos animais. Essas colônias são estruturadas de modo que tais insetos não sobreviveriam isoladamente. Esses "egos" assim coletivos fazem suas experiências, sofrem e aprendem com elas, crescendo em racionalidade, isto é, em estruturas de consciência que promovem o aumento de sua própria complexidade psíquica a exigir maior complexidade física (genética) para a realização de novas funções por elas propostas. Não precisamos sugerir a comparação entre o ego de uma colônia de formigas e o do agora Papa Emérito Joseph Ratzinger, ex-Bento XVI.

Sem delongas, vamos aceitar que a evolução dos seres vivos ocorre no sentido da coletividade para a individualidade, de modo que devemos afirmar cientificamente - tais são as provas que o confirmam - ser o objetivo final de todos nós, seres animais, chegar ao isolamento de Joseph Ratzinger. A racionalidade cresce com o aumento das experiências, vividas, sofridas, todas educativas, mas sobretudo contribuintes no processo de aumento da consciência, em volume e complexidade (isto se encontra na "Teoria Unificada do Universo", no Google). Nós, seres humanos, somos resultantes de muitos milhões de anos de evolução, vida após vida, de modo a acumular conhecimento e aumentar velocidade de processamento desses dados, que formaram o cérebro e nele colocaram o ego neural, que nos permite, a qualquer momento, dizermos "eu sou", "eu faço", "eu quero" e assim por diante.

Quantos de nós tem parado por alguns minutos para pensar no "EU" que existe em nosso cérebro? É evidente que esse "EU" (neural) só está percebido, quando estamos acordados. Há quem combata a cultura do "EU" por entender que esta promove o egoismo ou o egocentrismo. Assim como não se combate a doença, matando-se o doente, não se combate essas anomalias do Ego, matando-se o Ego. Ao contrário, o Ego ("EU") deve ser desenvolvido para vencer as ameaças que o atinjam. O papa emérito Joseph Ratzinger, hoje, por determinação própria, é apenas o seu "EU", na medida em que se coloca só, isolado, cuidando de si mesmo, das suas pesquisas, dos seus estudos, dos textos que produz, mas sobretudo da sua preparação para a vida posterior, a que terá após a atual, material.

Cada um de nós que progride na racionalidade e cultiva a individualidade, ainda que em relação social com outras pessoas, sabe o quanto é saboroso voltar-se para dentro de si e descobrir-se, quer através de sua memória, quer em processo de alguma descoberta ou ainda numa busca promissora qualquer. Muitas vezes temos a necessidade de sair da vida social para o repouso físico e consequente incremento da reflexão que nos permite, como se diz "arrumar a cabeça". Muitos são os que não compreendem a vontade de algumas pessoas, em fugir da agitação física, da ativação passional, porque acham ser "muito chato" viver sem festas, sem emoções fortes, sem agitação contínua. Nada a reclamar, dessas pessoas, que ainda estão em fases anteriores do processo de individualização e que precisam de mais tempo para atingir posições de vanguarda. Não há quem não tenha sido o outro ou venha a ser o outro, num período de sua existência animal. Pode-se dizer "já fui você ontem" ou "serei você amanhã", ao se comparar com pessoas próximas, sem que altere seu amor próprio. Como se diz, "já fiz o curso primário" ou "farei o curso superior" O que se deve evitar é manter-se no curso primario eternamente, apenas porque se gosta daquela escola.

Vamos nos espelhar, portanto, no Joseph Ratzinger, que chegou à plenitude da felicidade, ficando só.