sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O DISCURSO DOS SURDOS


Crônica

Dizem que não se pode ser católico do jeito que se quer. A Igreja só consideraria católico quem reconhece a autoridade máxima do Papa, na Terra e segue as regras, preceitos, dogmas, da Igreja, in totum, isto é, catolicamente. Por outro lado, a Igreja Católica, Apostólica e Romana tem por tradição deixar suas portas abertas a todos os que decidam entrar, seja para seguir uma missa em toda a plenitude de sua liturgia, seja simplesmente para fazer umas fotografias, em viagem turística. Não se pergunta "quo vadis?" a quem penetra sem dizer coisa alguma.

Em verdade vos digo e provo científicamente que não existem dois seres humanos iguais, com as mesmas estruturas física e psíquica, as mesmas idéias, as mesmas propostas, as mesmas carências, as mesmas crenças e as mesmas certezas, entre outras mesmices impossíveis. Ninguém, portanto, é católico, sob esse ângulo de visão. Mas as igrejas estão cheias. Hoje, assisti a uma missa completa ao meio-dia, na pequena igreja da Paróquia de São Pedro, na Piedade, celebrada por um jovem e competente padre. Como sempre ocorre ali, havia música, cantos - a casa lotada - muita concentração nas palavras corretas que vinham do altar. Corretas porque ponderáveis, aceitáveis, por quem nada sabe e por quem pensa que tudo sabe. As palavras verdadeiras são aquelas que não podem ser substituidas sem levar ao erro, ao desvio, ao rumo incerto, ao destino duvidoso, por todos que as ouvem.

Na sua desigualdade, os homens não só são diferentes, mas também ocupam posições diferentes na estrada que percorrem e na escada que sobem, acumulando experiências, delas retirando dados e em seguida processando-os. É evidente haver mais conhecimento em quem está na frente e mais alto, o que significa mais evolução. Os que estão mais para trás e para baixo são assim como cordeiros que não conseguem se manter na estrada sem o cajado dos pastores. Estarão sempre ao rés do chão, porque não sobem escadas. Precisam da religião como do alimento que os permite mover-se. Sem a religião, estão perdidos nos campos, a disposição dos predadores. Com mais experiência, estudo e reflexão, aumentando sua consciência, pensando com mais dados em seu cérebro, já conversam com os pastores e recusam algumas práticas, fazendo filosofia, indo buscar novas idéias, que colocam em discussão, arrumando teorias para quem quiser ouví-las. Há quem suba esses degraus em uma ou duas décadas, enquanto outros precisam de duas ou três vidas inteiras. Ou mais...

O grande salto é o que se dá, do prazer de perguntar para a alegria de encontrar a resposta. Não uma resposta qualquer, mas a única possível, a única que se confirma experimentalmente. O problema é que esse cordeiro que se desgarra do rebanho e avança por conta própria, ao chegar à sua verdade, descobre que perdeu o pastor que o conduzia.  Hoje, ao meio-dia, encontrei um pastor que me pareceu aceitar a ovelha que se desgarra do grupo para avançar individualmente porque tem pressa em evoluir na senda. A ovelha que eventualmente pode voltar ao rebanho, para ouvir o pastor, mas não para continuar ali com as que se acomodam com o pouco esforço que fazem para progredir. Esse grande salto, do qual não há retorno, é o da ciência, quando se chega à certeza do que se ouve e se diz, porque se pode testá-la psíquica ou fisicamente. Porque se pode chegar sempre ao mesmo resultado, ao fim de uma experiência que se repete. Sem erro, sem falha.

A Igreja tem tratado milenarmente a Ciência como inimiga porque uma afirma a existência de Deus e a outra a nega, ambas erradas na sua proposta de Deus. O Deus da Igreja é um Ser que considera os homens como nós consideramos os animais, por exemplo, vendo-os e decidindo seus destinos. Ouvi um padre dizer que "Deus gargalhou perante uma ação humana". Há fiéis que precisam dessa figura de linguagem para compreender a desaprovação divina, mas outros há que acreditam ser Deus um ser que gargalha de fato, perante uma ação humana. O problema se agiganta quando as duas platéias estão juntas. Assim, a Igreja se recusa a falar apenas com os cientistas, separadamente da sua preleção aos leigos e a Ciência se recusa a falar aos fiéis religiosos. Insistem em ser uma única voz para todos e assim permitem que muitas ovelhas se desgarrem, para não perderem o trabalho que fazem com os que mais precisam de cada uma delas, isto é, os que estão na base da evolução e precisam de muito apoio para subir uns primeiros e difíceis degraus. Como é difícil para a criança recém-nascida engatinhar e arriscar-se nos primeiros passos.

Vamos pensar nisso, assim, antes de ofender a Igreja ou a Ciência. Não há como negar o gigantesco trabalho já realizado por ambas, na Terra. Chega o momento, contudo, de iluminar o campo geral e reconhecer, além da realidade física, a atualidade psíquica do tempo como duração da consciência, como as outras três dimensões do espaço são marcadas em três direções ortogonais dessa mesma consciência. Deus, afinal, é a Consciência Universal. Nada menos do que isso. O Nada como tudo começou...

Adinoel Motta Maia