sexta-feira, 9 de novembro de 2012

BAIRROS E ARRABALDES

Crônica

Há cerca de cem anos, a chegada do verão levava os soteropolitanos de melhor condição financeira para os arrabaldes da cidade. Os jornais, que ainda não tinham colunas sociais, anunciavam em pequenas notas, com título, a ida de uma família para o Porto do Rio Vermelho, de trem, que partia do Campo Grande, com armas e bagagem necessária a uma longa estadia, dita veraneio. Na direção oposta, ia-se para Itapagipe, carregando-se toda a tralha por terra no contorno da baía, desde o Comércio, atravessando-se a Calçada, os Mares, o Caminho de Areia, até o Porto dos Tainheiros. Em ambos os portos, mais de pescadores, construiu-se boas casas que ainda hoje se vê.

Ao longo dos anos, no século XX, enquanto o Rio Vermelho preservou-se, Itapagipe degradou-se. As regatas do fino esporte do remo, que reunia a aristocracia em navios para ver as competições dominicais com primeira página garantida nos jornais da cidade até os anos 30 e 40, foram substituídas pelas marinas - meras garagens de barcos - e isso é o que ainda tem de melhor por ali. A Avenida Beira-Mar hoje mostra umas poucas casas em ruinas como testemunho do ápice social daquelas bandas, vivendo agora na sua extremidade da Penha, de uma atividade gastro-cervejeira de fins de semana ainda movimentados pela frequência massiva à praia do Bogari.

Por anos a fio, a Prefeitura faz vistas grossas para o retiro do poder econômico que dominava e alimentava aquele arrabalde e o transformou em bairro industrial, chamando para lá os operários que acabaram ficando sem a indústria, que foi de refrigerantes e chocolates e cristais, por exemplo; sem os trapiches dos armazens gerais; sem o comércio que abastecia o subúrbio ferroviário; enfim, sem o dinheiro que dava vida própria à península  A invasão dos miseráveis - os alagados em palafitas - irresponsávelmente permitida pelo poder público e remediada com o aterro que criou novos bairros ditos populares, apenas inchou o músculo social, nítido sintoma da doença que ali se estabelecia como dormitório de problemas e não de cidadãos.

Cada novo prefeito chega como uma esperança, que agora se renova, porque o povo itapagipano votou para eleger o próximo a ser empossado em janeiro. Com a migração das fábricas para os centros industriais de Aratu e Camaçari, Itapagipe vem mostrando uma vocação para o turismo, quer pelas suas belezas naturais, quer pela sua história e seu folclore, quer pela sua posição privilegiada na Baía de Todos os Santos. A classe média que ali emerge já merece equipamentos urbanos de boa qualidade. Por que o Largo do Papagaio, por exemplo, não consegue ter a mesma qualidade do Campo Grande? Por que a Beira-Mar não é uma avenida, desde a Penha até a Calçada, como é a avenida desde o Farol da Barra até a Ondina?

Uma nova frente se forma, na área da saúde, desde que Irmã Dulce criou o Hospital Santo Antônio, no Largo de Roma. O que começou como um serviço assistencial para mendigos e outros marginalizados, transformou-se num movimento que atraiu para aquela área, desde farmácias até laboratórios e clínicas populares diversas que já tomam a Avenida Fernandes da Cunha na direção do Largo dos Mares e promete fazer dali um point na área da saúde, para lá se transferindo ou abrindo filiais, algumas empresas do ramo, assim assegurando a assistência médica que é exigida por quem quer e tem melhor qualidade de vida, inclusive quando faz turismo.

Já passou da hora, portanto, de se olhar para aquele outrora arrabalde de veraneio de gente rica como bairros de gente pobre que quer e pode ser classe média, integrando-o social e econômicamente a esta cidade de encantos e desencantos, que é Salvador.