sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O DIA DOS IMORTAIS

Crônica

Hoje, 2 de novembro, é o Dia dos Mortos, dedicado aos parentes e amigos já falecidos, propondo-se pranteá-los, homenageá-los com visitas aos respectivos túmulos, deixando-se ali uma flor, uma vela acesa ou apenas lágrimas. Como se ali estivesse a pessoa amada, admirada ou respeitada. Como se ela tomasse conhecimento daquela presença e daquela ação. Assim, o homem continua preservando e homenageando a matéria, mesmo após a sua falência, a decomposição do corpo em moléculas, em átomos e finalmente, em energia que se desprende totalmente dos seus resíduos, nada mais restando, além dos ossos, que são trasladados para uma caixa e guardados ad eternum.

Graças a esse procedimento milenar, podemos hoje descobrir e estudar o passado, desenterrando os restos mortais de reis e de plebeus, indo aqueles para os museus e estes para os laboratórios de pesquisa. Reis que construiram pirâmides e mausoléus monumentais, acreditando que dessa forma permaneceriam vivos na eternidade, preservando seus tesouros para recuperá-los em sua volta, numa outra vida. São, assim, os cemitérios tradicionais, ainda hoje, testemunhos da classe dominante de uma comunidade e de toda uma nação, que assim preserva os seus valores religiosos e artísticos nos sepulcros construídos e adornados com os símbolos de sua época.

Isto é uma coisa: a cultura da História com seus arquivos documentais, associados a tais testemunhos dos indivíduos que a fizeram e de certa forma atingiram a imortalidade, como seres materiais de carne e osso, conforme pretenderam. Outra coisa é a crença de que essas pessoas também alcançam a imortalidade em outro plano, dito espiritual, porque não material. Doravante, devemos utilizar, respetivamente, os termos psíquico e físico, para esses planos.

Os seres animais, isto é, os que têm alma (anima), a força que movimenta os corpos vivos, surgiram da evolução dos vegetais, que recebem a energia vital diretamente do Sol, pela fotossíntese e a energia para crescer e multiplicar a partir dos elementos químicos tirados do solo, através de suas raízes. Sem tais raízes, os animais desenvolveram estruturas móveis que recebem a energia vital do Sol através do ar que respiram e a energia para crescer, multiplicar e trabalhar a partir dos elementos químicos tirados do alimento ingerido cotidianamente.

Isso estabelecido, sabemos também que nos animais, surgiu e desenvolveu-se o cérebro e com ele o indivíduo, isto é, o ego, passando a evolução a se fazer não apenas em grupo, isto é, nas espécies, mas segundo a experiência de cada indivíduo, inicialmente dentro de colônias (formigas, cupins, abelhas) nas quais o indivíduo é a colônia, isto é, sua raínha; seguindo-se os seres maiores e mais complexos, em bandos (aves, peixes, etc), sob o comando de um dos seus componentes; até que o cérebro ganhou um adendo e apareceu o réptil, dono de si mesmo. Daí para os mamíferos, crescendo a autonomia e a individualidade, chegou-se ao homem e com este um cérebro mais desenvolvido, intelectual.

A evolução do ego, assim, atinge, no homem, o estádio de fazer e compreender símbolos e com estes criar a linguagem; estudar a natureza e explorá-la parcial e oportunamente; criar estruturas de abrigo e de exploração política, econômica e social; entre outras performances, ao fim das quais a cultural, científica e religiosa, em busca de conhecer a si mesmo, sua origem e seu destino, após a morte. Sua ignorância, neste campo, o tem levado a crenças de imortalidade não apenas do corpo ou da memória deste, como já vimos, mas também da alma (força que, no entanto, só existe no corpo, chegando com o nascimento e saindo na morte) e do ego, que também se conhece como "espírito". A ideia de imortalidade deste implica num fenômenno de reencarnação, que está em todos os povos, de uma forma ou de outra, menos nos cristãos, que preferem ter uma única vida material preparatória para uma vida eterna no  paraíso ou no inferno.

Crenças à parte, neste momento, queremos registrar apenas, para terminar esta crônica, no dia dos mortos, o fato de que morre o corpo, definitivamente, sem retorno. O que se guarda, na memória, é o ego. Lembramos de nossos parentes e amigos mortos, naquilo que ele fazia, como o fazia; o que dizia, como o dizia; o que queria e propunha... e em síntese, naquilo em que uma pessoa é única: a memória que temos dela, inclusive o seu nome. Em tudo isso, foi única. Quem não valoriza e preserva sua imagem, perante o mundo, a nação, a comunidade, a família, jamais será lembrado, depois de morto, porque simplesmente não deixou obra realizada nem registro do que fez. Este indivíduo realmente morre para sempre. De fato, não valeu a pena ter vivido, porque apenas passou. 

Adinoel Motta Maia