sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A BTS E O GOLFO DA BAHIA


Crônica científica

Alguém pode estranhar a ocorrência de uma missa a encerrar um evento científico, porque há um preconceito de que não se mistura Ciência com Religião, isto é, Razão e Fé. Preconceito, sim, porque se faz um conceito sem examinar cientificamente - esgotando todas as abordagens possíveis - o que se entende por Fé ou Religião. Diga-se que a culpa disso é apenas dos religiosos que preferem impor suas afirmações sem submetê-las à investigação científica, mas, por outro lado, há uma postura dos cientistas em menosprezar a paixão como algo totalmente fora do escopo da investigação objetiva dos laboratórios, restringindo-a aos limites da subjetividade, isto é, das construções da mente. Este divórcio pré-estabelecido por conveniências, digamos, burocráticas, ao longo dos milênios de cristianismo e islamismo derivados do judaísmo é responsável pela recusa digamos puramente dogmática da ressurreição contínua do ego eterno - alma, para uns; espírito, para outros - em sucessivas ligações com diferentes corpos animais, em permanente evolução. Nesse contexto, observe-se que cresce bastante uma outra postura, de intelectuais independentes, de origem familiar cristã, na direção do ateísmo ou do chamado espiritismo não cristão, que tangencia religiões mais antigas, como o hinduísmo e o budismo, entre outras, onde se exercita uma prática experimental - científica, portanto - de projeção da mente objetiva (do cérebro), fora do corpo.

Estas palavras introdutórias se devem à realização de uma missa, hoje, dia de Todos os Santos, às 8 horas da manhã, na Igreja de São Pedro, no Largo da Piedade - com o competente sermão do Padre Aderbal - como tem ocorrido desde 2010, comemorando os 512 anos da descoberta da Baía de Todos os Santos, assim denominada pela expedição do português Gonçalo Coelho, com três naus - as duas outras com Gaspar de Lemos e Amerigo Vespucci, vinda de Portugal com missão exploratória desde o Rio Grande do Norte até onde terminassem as terras dessa costa que já sabemos irem até a Patagônia, no extremo sul da Argentina. Não há no Brasil uma popularização de "Todos os Santos", conforme instituídos pela Igreja Católica e festejados em países como Portugal e Itália, onde existem paróquias a eles dedicadas - o próprio Vespucci teria sido batizado numa delas, em Florença - nesta data de 1º de novembro, aquela em que a frota portuguesa aqui chegou, em 1501. Essa missa encerra a Semana da Baía de Todos os Santos, realizada anualmente pelo Gabinete Português de Leitura, com uma exposição e três palestras em sua sede, desde 2010, a partir de 26 de outubro. Um evento científico, como dissemos, que se encerra com um ritual religioso, católico, na paróquia de São Pedro, onde se situa a sede do Gabinete Português de Leitura.

Neste ano, a exposição foi realizada pelo geólogo Rubens Antônio da Silva Filho, dando notícias, já, de um trabalho que realiza com modelos reduzidos em três dimensões, reproduzindo o relevo de Salvador, sua geomorfologia. Atuando no Museu Geológico da Bahia, esse cientista experimenta esse modo para o aprendizado de pessoas com deficiência visual, que andam pela cidade e a vêm com os próprios pés, podendo agora senti-la na ponta dos seus dedos, percorrendo vales e colinas feitos em escala dupla - horizontal e vertical - assim "vendo" a cidade como se fosse em um mapa. Ainda em desenvolvimento, esse trabalho parece ser inédito e é científico, mas o seu alcance social o faz merecer todo o apoio, principalmente de divulgação, contra a cegueira dos que tratam os deficientes visuais apenas politicamente.  As três palestras realizadas - também científicas - foram programadas para mostrar como a geologia fez a geografia e nesta ocorreram os fatos históricos, particularmente os relacionados com os transportes, na Baía de Todos os Santos. A primeira delas, a cargo do Prof. Dr. José Maria Landim Dominguez, do Instituto de Geociências da UFBA, mostrou como surgiu e evoluiu a Baía de Todos os Santos, geologicamente. Referência nacional em sua área científica, o Prof. Landim encheu os olhos e os cérebros de um auditório lotado, que viu as imagens projetadas e ouviu suas palavras reveladoras de um passado de eventos assustadores que formaram a belíssima baía que pode ser a maior do mundo e não sabemos disso, nem a conhecemos, unicamente por preguiça crônica. Só é pobre quem quer...

Na segunda palestra, do geólogo Rubens Antônio, este deitou e rolou com o seu magnífico trabalho de reprodução em três dimensões da cidade de Salvador, projetando imagens desta com seus prédios e suas vias, mas logo desnudando-a, sem eles, como foram encontrados seus vales e colinas, apenas com a vegetação a revesti-los. Autor de um livro, que logo ganhará segunda edição, sobre a história da geologia na Bahia, esse cientista mostrou essa história que os baianos lamentavelmente não conhecem porque não querem. A terceira palestra, sob nossa responsabilidade, montou nesse palco geológico e geográfico da Baía de Todos os Santos, a história dos seus meios e vias de transporte, com ênfase na sua travessia e na contribuição para sua economia, desde os saveiros até o ferry-boat, desde os anos 50 do século passado, quando se começou a sofrer as pressões do poder econômico do petróleo e da indústria automobilística, desmontando a infraestrutura ferroviária e o transporte marítimo em benefício do automóvel. Mais que isso, no entanto, pudemos revelar, com base na ciência geológica confirmada pelos palestrantes anteriores, uma omissão dos geógrafos, que até hoje não descobriram o Golfo da Bahia, que temos em nosso litoral e que é formado pelas baías de Todos os Santos, de Cairu e de Camamu, num único conjunto geológico revelado nesta IV Semana da BTS e que não é outra coisa, se não um golfo. Estamos pedindo um congresso brasileiro que nos permita mostrar esta descoberta assim tardia e exibir para o mundo, nos mapas oficiais, sua presença na costa brasileira, oficializando-a. Sobre este assunto, remeto os interessados para o meu blog http://adinoel-blogart.blogspot.com, onde se encontra um primeiro artigo pequeno, mas completo, sobre essa descoberta.
 
Adinoel Motta Maia